Histórico do MCE

Reflexões sobre o Movimento de Casas de Estudantes e Assistência Estudantil


            Duas das principais características do Movimento de Casas de Estudantes (MCE) é o seu caráter de resistência e a dispersão pelo país. A dispersão fica bastante evidente quando se propõe descrever o movimento numa perspectiva mais histórica. Pois os registros dos encontros do movimento (ENCE’s, ERECE’s pré-encontros e reuniões da SENCE) encontram-se espalhados pelos arquivos empoeirados das residências estudantis pelo Brasil a fora. Exceto os que provavelmente foram extraviados. Só agora, depois de 2004, é que os documentos produzidos têm sido guardados na lista de discussão (sencebrasil@yahoogrupos.com.br) ao acesso de tod@s. Portanto, os apontamentos que farei neste texto sobre a história do MCE, baseiam-se bastante no que ouvi de outros militantes mais antigos que eu. Desde meu primeiro ENNECE em 2000, em São Luiz/MA, e meu primeiro ENCE em Goiânia, no mesmo ano.

Histórico dos ENCE’s

            Não há informação de onde ou quando foi o primeiro Encontro. O primeiro de que se tem notícia foi o XIII ENCE em Curitiba/PR, em 1988, conforme cartaz envelhecido exposto numa vitrine dos corredores da Casa do Estudante Universitário do Paraná. Considerando-se, portanto, esse dado e que os ENCE’s são anuais, podemos supor que o primeiro teria sido em 1976. Caso não tenha havido nenhuma interrupção como ocorrida em 2001, em Belo Horizonte/MG. Quando, devido a uma greve, os residentes da UFMG só realizaram o XXVI ENCE em 2002.

Quadro Cronológico dos ENCE’s
Edição
Cidade/Estado Sede
Ano
I a
XII
?
1976
a 1987
XIII
Curitiba – PR
1988
XIV a XVIII
?
1989
a 1993
XIX
João Pessoa – PB
1994
XX
Recife – PE
1995
XXI
Salvador – BA
1996
XXII
Natal – RN
1997
XXIII
Campinas – SP
1998
XXIV
Aracaju – SE
1999
XXV
Goiânia – GO
2000
XXVI
Belo Horizonte – MG
2002
XXVII
São Luiz – MA
2003
XXVIII
Rio de Janeiro – RJ
2004
XXIX
Curitiba – PR
2005
XXX
Goiânia – GO
2006
XXXI
Recife – PE
2007
XXXII
Santa Maria – RS
2008

Residências e Movimento Estudantis

            O movimento estudantil geral (ME) sempre teve uma ligação muito forte com as moradias estudantis. Primeiro, pela própria origem das moradias. As primeiras moradias de que se tem notícia no Brasil foram as famosas “Repúblicas”, denotadamente as de Ouro Preto/MG. Quando no período imperial brasileiro, no século XIX, grupos de estudantes com ideais republicanos se juntaram e foram morar em casarões e sobrados. O próprio surgimento, portanto, dessas “repúblicas” já foi, em si, uma ação política. E porque não dizer: uma ação do movimento estudantil, contra o regime imperial.
            Segundo, o próprio surgimento da União Nacional dos Estudantes (UNE), denota essa ligação: Casas – ME. Foi no final dos anos 30 uma moradia estudantil que percebeu a necessidade de organização política dos estudantes nacionalmente. A Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro então Distrito Federal, convoca o 1º Conselho Nacional de Estudantes, e nesse evento se funda a UNE, em 1937.

A Ditadura

            No período da ditadura militar brasileira coma repressão instaurada depois do golpe de 1964, essa ligação das moradias com o ME foi bastante conveniente. Principalmente depois da promulgação do Decreto-lei 477 de 1969, que impunha uma série de proibições ao movimento sindical de educação e ao ME. Entre elas: a realização de “passeatas”, “comícios não autorizados”, portar ou distribuir “material considerado subversivo”, aliciar ou incitar a “deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar”, etc. Um clima de forte repressão se instalou no país e as reuniões políticas estudantis passaram a ser perseguidas.
            Para ilustração essa repressão, podemos exemplificar com o que ocorria no antigo Restaurante Universitário da UFPB no centro de João Pessoa/PB. Durante a ditadura, os estudantes realizavam ali suas reuniões políticas e quando detectavam a chegada da polícia escondiam-se no porão da, então, Residência Universitária Feminina. Fora do alcance dos policiais.
Histórias parecidas como essas são comuns também em outras residências, nem sempre com finais felizes e gosto de aventura. As casas de estudantes foram lugares um pouco mais seguros para os encontros do ME. Nesses espaços o poder da repressão não era tão ilimitado. Tratava-se de moradias de estudantes. Difícil impedi-los de se reunirem em casa. Mesmo assim, o regime não deixou de tentar, nas residências foram realizadas batidas policiais, prisões, violência. Os agentes da repressão sabiam que ali, o ME sobrevivia e tentava se organizar na surdina.

Começam os ENCE’s

Este teria sido o contexto histórico que precedeu o início da organização do MCE em ENCE’s. Supostamente, o primeiro ocorreu em 1976. Neste ano o Presidente Ernesto Geisel acenava com sua política de “distensão lenta e gradual” do regime. O grupo “linha dura” perdera força e a repressão diminuíra.
            Não há registros conhecidos de como ou onde foram os primeiros encontros, nem a maioria dos ENCE’s ocorridos nos anos 80. Coma a abertura política desta década, o MCE provavelmente ganhou mais liberdade organização e ação. É possível que esse novo contexto político tenha permitido a criação da Secretaria Nacional de Casas de Estudantes (SENCE).

A SENCE e o FONAPRACE

            A única referência que encontrei sobre seu surgimento aponta que a Secretaria teria sido criada em 1987. Conforme indicação de Sheilla Nadíria Rodrigues Rocha na sua monografia em serviço social: “As Perspectivas de Operacionalização da Assistência Estudantil na UFPE dos Anos 90: análise de uma experiência” (Recife, 1997). Infelizmente essa indicação, na página 48, não aponta qual foi sua fonte.
            Na década de 80 também é criado o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE). Esse Fórum organiza reuniões anuais com a participação não apenas de Pró-Reitores Comunitários e Estudantis (ou seus correspondentes nas universidades), mas de outros profissionais envolvidos na manutenção dos programas de assistência estudantil (assistentes sociais, psicolog@s, nutricionistas...). Nesse espaço a assistência estudantil passa então a ser estudada e discutida numa perspectiva mais nacionalizada também por quem administrava as universidades.

A década de 90

            Nos anos 90, as políticas de Estado neo-liberais ganham mais força no Brasil com a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República. Em seu governo, uma série investimentos em serviços públicos são cortados em nome do enxugamento da máquina do Estado e pagamento da dívida externa. A assistência estudantil nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), então, perde sua rubrica específica (uma parte do orçamento das universidades federais exclusivo para investimento em assistência estudantil). O governo federal também extingue concurso para uma série de cargos profissionais como segurança, cozinheiro, faxineiro... Essa medida praticamente obriga a contratação de serviços terceirizados, e somada ao corte de recursos vai escancarando as portas da universidade para a privatização, sem deixar alternativas. Os cortes representaram um duro golpe não apenas na assistência estudantil, mas na educação superior federal.
Mesmo durante a vigência da rubrica específica, os programas de acesso e permanência já se encontravam em situações precárias e longe de cumprir seu papel de democratizar a educação. Depois do corte orçamentário, a dificuldade aumentou. Restaurantes universitários foram fechados, privatizados ou terceirizados; as moradias estudantis continuaram a cair aos pedaços, e os demais programas de assistência aos estudantes foram reduzidos, precarisados ou mesmo extintos.
            Nesse período a UFPE viveu um momento um tanto quanto extremado que merece ser citado: o RU foi fechado, a moradia estava muito sucateada e o Reitor Efrem Maranhão mantinha-se insensível a tudo isso. A situação na Casa do Estudante Universitário Masculina (CEU-M) era de enfrentamento com a Reitoria e os seus residentes passavam por dificuldades extremas. Esse processo culminou tragicamente com a morte de quatro residentes em apenas um ano. Três deles morreram por suicídio e o outro por um problema de saúde. Conforme descreve o ex-residente Mauro César em seu livro “Vaga Mundo Imundo Mundo” (Recife, 2000).
A ampliação e democratização do ensino superior público estava, portanto, bastante comprometidos com os cortes orçamentários. Desde o fim da rubrica, a sua retomada se tornou a principal bandeira da SENCE.
Enquanto isso, o governo almejava ampliar a formação de profissionais com nível superior. Pois o Brasil precisava de recursos humanos qualificados para atrair os investimentos das empresas internacionais. Como alternativa ao arrocho nos gastos públicos, na segunda metade dos anos 90, o governo apelou para a iniciativa privada. Passou, então, a estimular a criação de faculdades particulares e distribuiu concessões, principalmente entre seus políticos aliados. Foi uma overdose de neo-liberalismo!

A SENCE e o FONAPRACE nos anos 90

            A SENCE e o FONAPRACE, nos anos 90, envolveram-se com a tramitação do Projeto de Lei (PL) 4633 de 1994, do deputado Koiu Iha (PSDB/SP), que buscava instituir uma política nacional de moradia estudantil. Apesar de contemplar também moradias autônomas, o texto do projeto era bastante evasivo: O MEC “poderá, mediante convênio, conceder auxílio para aquisição, construção e manutenção de Casas de Estudantes”. Ou seja, “poderá” se quiser. O PL 4633/94 foi arquivado em 1999 por inconstitucionalidade. Porém no mesmo ano, o deputado Nelson Pellegrino (PT/BA) o re-apresenta com algumas alterações, então sob o nº 1018/99. Em 2007, o PL, mais uma vez, foi considerado inconstitucional e arquivado. Pois criava despesas para o poder executivo, o que não é permitido ao legislativo.
            Durante todo esse processo a SENCE tentou alterar o texto do PL, melhorá-lo. Foi discutido exaustivamente em debates e grupos de trabalho, e reformulado em planárias finais de Encontros. Mas todas as sugestões esbarraram na burrocracia do Congresso Nacional.
Em 1993 no XVIII ENCE, se delibera a criação dos Encontros Regionais de Casas de Estudantes, os ERECE’s. Em 1994 estudantes da UFS realizam , em Aracaju, o I ENNECE (Encontro Norte e Nordeste de Casas de Estudantes). Nos anos posteriormente as demais regiões começam também a organizar seus encontros regionais. Esse foi um período de aproximação do MCE ao FONAPRACE, quando representantes da SENCE começam a participar das reuniões nacionais e regionais do Fórum. O movimento, assim, foi criando e ocupando mais espaços de atuação política.

O Plano Nacional de Assistência Estudantil

            O FONAPRACE realizou importantes trabalhos em benefício da assistência estudantil nas universidades, no final dos 90 e início da década posterior. Refiro-me a duas pesquisas sobre o perfil sócio-econômico e cultural dos estudantes de graduação das IFES. Um material importantíssimo para justificar a necessidade da assistência estudantil.
            A primeira pesquisa (1996/1997) demonstrou que era um mito a conclusão de que nas universidades públicas só estudavam estudantes de classe média e alta. Os dados mostravam que 44% dos graduandos pertenciam as classes C, D e E, e 45,1% dos matriculados eram oriundos de escolas públicas.
Esse levantamento culminou com a elaboração do Plano Nacional de Assistência (PNA), numa reunião nacional do FONAPRACE em 2001, em Recife/PE. O Plano constituía-se de uma proposta nacionalizada, muito interessante, de financiamento e promoção de programas de assistência estudantil nas universidades públicas. O Plano se justificava na necessidade de democratização do ensino superior público e no combate a evasão, reprovação e retenção. Numa lógica empresarial, causadoras de prejuízos orçamentários às IFES. Porém, o então ministro da educação Paulo Renato, não se disponibilizou a implantar a proposta.
            Em 2003 e 2004, foi realizada uma nova pesquisa sobre o perfil dos graduandos das IFES, um pouco mais ampla e diferenciada da anterior. Porém, não se detectou grandes mudanças nas realidades sociais do corpo discente nas universidades, apesar de algumas já terem iniciado políticas afirmativas de acesso.
De acordo com os novos dados, o número de estudantes oriundos de escolas públicas sofreu um tímido aumento de 1,1% em relação à 96/97, chegando a 46,2%. A pesquisa demonstrou ainda que 65% dos estudantes necessitavam “de algum tipo de apoio institucional para sua permanência e conclusão do curso”.
            Tanto na primeira como na segunda pesquisa, ficou evidente que as políticas de permanência mantidas pelas IFES ficavam longe de atender toda a demanda. Deixando claro que para tornar o ensino superior acessível a todos os grupos sociais era necessário investir em programas de assistência estudantil.

O Governo Lula

            Com o início do governo Lula, o MCE, cheio de esperança, buscou por espaços de diálogo. Numa reunião do FONAPRACE em Brasília em 2003, a Secretaria de Ensino Superior do MEC (SESu) anunciou um Grupo de Trabalho (GT) que discutiria a rubrica para assistência estudantil e o PNA. Nesse GT estariam representados MEC, SESu, ANDIFES, FONAPRACE, UNE, SENCE etc. Porém esse grupo nunca funcionou, se funcionou, a SENCE não foi convidada para nenhuma reunião.
O FONAPRACE com os dados da nova pesquisa atualizou o PNA, no entanto, o governo Lula até hoje mantém a proposta em “banho-maria”. Chegou a apresentar como alternativa assistencial o PAE – Programa de Apoio ao Estudante de Ensino Superior. Este programa concederia bolsas a estudantes de baixa renda e com bom desempenho acadêmico, matriculados em universidades ou faculdades públicas ou privadas. Como contrapartida os estudantes realizariam trabalhos voluntários. A proposta recebeu muitas críticas a foi descartada pelo governo.
            O MEC, depois de algumas audiências públicas, apresenta sua proposta de Reforma Universitária. Os movimentos sociais da área de educação superior começam a discutir a reforma e a maioria deles se opõem a proposta do governo, em partes ou no todo. A reforma é apontada como privatizante apesar de re-estabelecer a rubrica para assistência estudantil. Porém, correspondente a apenas 5% do orçamento de cada IFES.
            Nesse período, o MCE passava por conflitos internos e não foi capaz de discutir a reforma com profundidade, nem apresentar uma proposta alternativa, que fosse além do simples: “contra essa reforma universitária”. Numa reunião da SENCE em Porto Alegre/RS, durante o Fórum Social Mundial de 2005, se chegou a elaborar uma proposta alternativa de Assistência Estudantil para a Reforma Universitária. Porém no mesmo ano, no XXIX ENCE em Curitiba, a proposta foi desautorizada.
            Enquanto os movimentos sociais de educação não se união no combate a reforma, o Governo Lula foi expandindo e criando novas universidades como queria. Fez algumas modificações no projeto, tentando conseguir o apoio de alguns setores e enviou-o ao Congresso Nacional para aprovação. Sob a denominação de PL 7200/06, a reforma começa a tramitar na Câmara dos Deputados em junho de 2006. Despertando uma infinidade de interesses, o PL recebe excessivas emendas parlamentares que dificultam seu bastante o seu andamento.
O Governo Lula passa, então, a editar uma série de Medidas Provisórias que na verdade configuram-se como numa reforma universitária fragmentada, parcelada. Entre elas a MP de Iniciação Tecnológica e algumas alternativas de “democratização” do ensino superior. Bastante questionáveis, inclusive.
Uma dessas alternativas é o Programa Universidade para Todos (PROUNI), através dele o governo federal compra, com isenção fiscal, vagas ociosas das universidades e faculdades particulares e “filantrópicas”. Disponibilizando as vagas a estudantes de baixa renda aprovados nos vestibulares dessas instituições.
A crítica feita ao PROUNI recai na valorização que o programa dispensa ao ensino privado. Através do investimento de um recurso que poderia ser aplicado no ensino público, que passa por sérias dificuldades. Ressalta-se ainda, a qualidade do ensino superior público melhor que a do particular. Este bastante ligado à construção de um conhecimento que beneficia interesses de pequenos grupos privados, quando deveria buscar a construção de uma sociedade justa e fraterna para todos.
            O segundo programa, o REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), objetiva “dotar as universidades federais de condições necessárias para aplicação do acesso e permanência na educação superior, no nível da graduação, para o aumento da qualidade dos cursos”. No entanto, o programa é impregnado por uma pedagogia tecnicista, que estabelece metas de eficiência, sem oferecer condições para que sejam atingidas. O REUNI amplia as vagas das IFES, porém, aumenta a relação graduando/professor para 18 por 1. Quando a média nacional é de 13,19 estudantes de graduação pra cada 1 docente e mesmo assim as universidades já têm problemas com falta de professores.
No seu final em 2012, o programa prevê atingir uma média de conclusão dos cursos de graduação de 90% do número de estudantes que ingressam, quando hoje essa taxa é de 62,52% e a relação graduando/professor ainda é de 13,19/1. Imagino que o governo Lula levou muito a série o outro objetivo do REUNI: “melhor aproveitamento da estrutura física e dos recursos humanos existentes nas universidades federais”.
Sou levado a concluir que as universidades serão transformadas em espécies de linhas de produção, melhor dizendo: linhas de reprodução do conhecimento. Vislumbro salas de aula lotadas, sempre com um professor dando uma aula expositiva, pois essa é quase a única metodologia possível em turmas grandes. Estudantes desejando participar de projetos de pesquisa ou extensão. Mas os professores estarão envolvidos em projetos demais, darão aula em muitas turmas... Os concluintes terão dificuldades para conseguirem orientador para suas monografias, pois os professores já terão orientandos demais. E se conseguirem orientador, não será fácil conseguir orientação, pois os professores estarão abarrotados de compromissos.
O tripé universitário: ensino, pesquisa e extensão, que nunca conseguiu sair completamente do papel para a realidade concreta, será seriamente comprometido. A qualidade do ensino superior público, definitivamente não vai melhorar com o REUNI.
            Quanto ao acesso e permanência tão citadas no projeto, o REUNI estranhamente não fixa metas, por exemplo. Deixa a cargo de cada IFES decidir quanto das verbas recebidas pelo programa investirá em assistência estudantil. Esperemos e exijamos, portanto, “boa vontade” aos Reitores. Os objetivos do REUNI são, de fato, dois.
O primeiro é a expansão de vagas dos cursos de graduação, independentemente de como seja essa expansão ou quem se beneficiará dela – branco, índio ou preto, rico ou pobre, bonito ou feio. O REUNI não almeja transformar a universidade num espaço com a representação minimamente proporcional dos diversos segmentos sociais brasileiros. A elite rica e branca continuara dando as cartas.
O segundo objetivo é a eficiência do sistema federal de educação superior. Porém, eficiência no sentido de produtividade numérica. É nesse segundo objetivo, por incrível que pareça, que a assistência estudantil terá um papel a cumprir no programa REUNI: combater a evasão, a reprovação e a retenção, minimizando o desperdício de recursos públicos. Quando, na verdade, a assistência estudantil deveria promover a democratização do ensino superior, de forma que as classes populares utilizem, sim, a universidade e o poder do conhecimento que se produz nela para a superação das injustiças sociais gritantes da sociedade brasileira.
Claro que a superação da realidade brasileira não será levada a cabo pelas universidades, mas estas têm um papel fundamental de contribuição nesse processo. Essa contribuição só será dada quando o ensino superior tornar-se definitivamente popular.

O MCE após a década de 90

            Em 1999 no XXIV ENCE, em Aracaju, a SENCE reformulou seu estatuto extinguindo o sistema de representação por delegados. Todos os moradores de residências estudantis inscritos nos ENCE’s passaram a ter o direito de voto nas plenárias. Estabeleceu-se orientação para que todos os Estados a criarem Secretarias Estaduais de Casas de Estudantes. Talvez tenha sido nesse período que surgiram a SECERGS (Secretaria de Casas de Estudantes do Rio Grande do Sul), a SECE-GO (Secretaria Estadual de Casas de Estudantes de Goiás) e a ACEB (Associação de Casas de Estudantes da Bahia).
            Depois dessa reforma estatutária, o MCE, buscou realizar o registro da SENCE enquanto pessoa jurídica. Porém, essa tarefa sempre esbarrava na burocracia dos cartórios que sempre encontrava um erro de redação na ata de fundação da Secretaria ou alguma irregularidade jurídica no seu Estatuto. Todo ano, no ENCE, se remendava o estatuto adequando-o às últimas recomendações dos cartórios e se refazia a ata de fundação com todo cuidado. Residentes de vários Estados (Goiás, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Maranhão) tentaram fazer o registro, mas não obtiveram sucesso.
            Nesse ínterim, o MCE sofreu alguns conflitos internos que o levou a uma nova reforma do estatuto em Goiânia, no XXX ENCE em 2006. O novo estatuto buscou valorizar a autonomia das regionais, porém não contribui para a promoção da integração delas em nível nacional. Deu-se nova tentativa de registro frustrada e finalmente, na plenária final do XXXII ENCE em Recife, ano passado, o MCE desistiu de registrar a SENCE. Optando por atuar apenas como movimento social organizado, sem personalidade jurídica.
            Foi ainda nos anos 90 que o MCE começou a organizar Reuniões de Trabalho da SENCE, com a participação dos seus Coordenadores e representantes das moradias. O objetivo era de encaminhar as deliberações dos ENCE’s passados e planejar os futuros. Essas reuniões, que deveriam ser anuais, nem sempre ocorriam, devido dificuldade de transporte dos estudantes. Então dificilmente todos os Coordenadores ou representantes de casas participavam. De qualquer forma eram mais espaços de construção do movimento nacionalmente.
            Em 2001, a criação da “sencebrasil”, a lista de discussão da SENCE na internet, teve um importante papel integrador das moradias. Essa nova ferramenta ajudou a comunicação nacional do movimento. Porém, a dispersão continuou ainda uma de suas características marcantes. O MCE continuou sem conseguir articular e mobilizar ações nacionalizadas. Por exemplo, o Dia Nacional de Luta pela Moradia Estudantil, 09 de novembro, em poucas ocasiões e lugares se concretizou para além de uma antiga deliberação de plenária final de ENCE.
            As ações do MCE sempre tiveram um caráter bastante local, atos públicos ou, no máximo, ocupações de reitorias. Geralmente com pautas específicas, ligadas a assistência estudantil. O movimento nunca conseguiu realizar uma ação com visibilidade nacional o que deixa a luta pela rubrica específica ou pelo PNA um tanto enfraquecidas.
            No entanto, quando as lutas locais são concomitantes a visibilidade torna-se maior. Foi o que houve com as ocupações de reitorias contra o REUNI, ano passado. Delas muitos militantes do MCE participaram, inclusive como lideranças. Foram iniciativas locais, porém a simultaneidade das ações deu mais força as ocupações.
            O principal papel que os ENCE’s e ERECE’s têm é o de formação política. Esse é um aspecto essencial não só no MCE, mas no ME em geral, pois se trata de um movimento onde a renovação dos quadros é muito intensa. Tem sido essa formação, inclusive, que embasa e encoraja os novos residentes a continuarem lutando por políticas de acesso e permanência. Nos encontros se aprende que assistência estudantil não é esmola e nem favor, mas um direito. Conforme consta na Constituição: o ensino dever ser oferecido com “igualdade de condições para o acesso e permanência” (artigo 206).
            Porém, os ENCE’s têm o papel de mobilizar para ações mais amplas, além de formação política e ponto. O atual momento histórico aponta para uma necessidade de organização em nível nacional de pelo menos algumas ações. A dispersão e a falta de estrutura do MCE não permitem fazer-se muita coisa. Mas o bonde da história está passando, mudanças estão ocorrendo no ensino superior brasileiro e se não nos posicionarmos elas podem levar a um péssimo lugar. Não podemos ficar parados!
            O MCE, ao contrário de muitos setores e entidades do ME, conseguiu até hoje manter-se a margem dos aparelhamentos partidários. Pode ser considerado um movimento vitorioso pela resistência e sobrevivência. Caso não estivéssemos sempre nos mobilizando e gritando quando a casa caia aos pedaços ou o preço da refeição do RU aumentava, etc. a assistência estudantil já tinha acabado há muito tempo. Porém, devemos aproveitar o momento para garantir uma política séria de acesso e permanência, sem assistencialismos. Medidas paliativas que apenas maquilam os problemas e rendem alguns votos não podem ser aceitas. A democratização da educação superior exige uma política nacional de assistência estudantil ampla, com financiamento seguro, permanente e compatível com a demanda.

Teodoro Neto
Abril de 2008, Recife – PE.

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Danilo, ufs
Sennece coord nacional
sence coord finanças

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