segunda-feira, 4 de maio de 2009

Reflexões sobre o Movimento de Casas de Estudantes e Assistência Estudantil (pt3)

Texto na íntegra aqui.

Finalizando...

O Governo Lula
Com o início do governo Lula, o MCE, cheio de esperança, buscou por espaços de diálogo. Numa reunião do FONAPRACE em Brasília em 2003, a Secretaria de Ensino Superior do MEC (SESu) anunciou um Grupo de Trabalho (GT) que discutiria a rubrica para assistência estudantil e o PNA. Nesse GT estariam representados MEC, SESu, ANDIFES, FONAPRACE, UNE, SENCE etc. Porém esse grupo nunca funcionou, se funcionou, a SENCE não foi convidada para nenhuma reunião.

O FONAPRACE com os dados da nova pesquisa atualizou o PNA, no entanto, o governo Lula até hoje mantém a proposta em “banho-maria”. Chegou a apresentar como alternativa assistencial o PAE – Programa de Apoio ao Estudante de Ensino Superior. Este programa concederia bolsas a estudantes de baixa renda e com bom desempenho acadêmico, matriculados em universidades ou faculdades públicas ou privadas. Como contrapartida os estudantes realizariam trabalhos voluntários. A proposta recebeu muitas críticas a foi descartada pelo governo.

O MEC, depois de algumas audiências públicas, apresenta sua proposta de Reforma Universitária. Os movimentos sociais da área de educação superior começam a discutir a reforma e a maioria deles se opõem a proposta do governo, em partes ou no todo. A reforma é apontada como privatizante apesar de re-estabelecer a rubrica para assistência estudantil. Porém, correspondente a apenas 5% do orçamento de cada IFES.

Nesse período, o MCE passava por conflitos internos e não foi capaz de discutir a reforma com profundidade, nem apresentar uma proposta alternativa, que fosse além do simples: “contra essa reforma universitária”. Numa reunião da SENCE em Porto Alegre/RS, durante o Fórum Social Mundial de 2005, se chegou a elaborar uma proposta alternativa de Assistência Estudantil para a Reforma Universitária. Porém no mesmo ano, no XXIX ENCE em Curitiba, a proposta foi desautorizada.

Enquanto os movimentos sociais de educação não se união no combate a reforma, o Governo Lula foi expandindo e criando novas universidades como queria. Fez algumas modificações no projeto, tentando conseguir o apoio de alguns setores e enviou-o ao Congresso Nacional para aprovação. Sob a denominação de PL 7200/06, a reforma começa a tramitar na Câmara dos Deputados em junho de 2006. Despertando uma infinidade de interesses, o PL recebe excessivas emendas parlamentares que dificultam seu bastante o seu andamento.

O Governo Lula passa, então, a editar uma série de Medidas Provisórias que na verdade configuram-se como numa reforma universitária fragmentada, parcelada. Entre elas a MP de Iniciação Tecnológica e algumas alternativas de “democratização” do ensino superior. Bastante questionáveis, inclusive.

Uma dessas alternativas é o Programa Universidade para Todos (PROUNI), através dele o governo federal compra, com isenção fiscal, vagas ociosas das universidades e faculdades particulares e “filantrópicas”. Disponibilizando as vagas a estudantes de baixa renda aprovados nos vestibulares dessas instituições.

A crítica feita ao PROUNI recai na valorização que o programa dispensa ao ensino privado. Através do investimento de um recurso que poderia ser aplicado no ensino público, que passa por sérias dificuldades. Ressalta-se ainda, a qualidade do ensino superior público melhor que a do particular. Este bastante ligado à construção de um conhecimento que beneficia interesses de pequenos grupos privados, quando deveria buscar a construção de uma sociedade justa e fraterna para todos.

O segundo programa, o REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), objetiva “dotar as universidades federais de condições necessárias para aplicação do acesso e permanência na educação superior, no nível da graduação, para o aumento da qualidade dos cursos”. No entanto, o programa é impregnado por uma pedagogia tecnicista, que estabelece metas de eficiência, sem oferecer condições para que sejam atingidas. O REUNI amplia as vagas das IFES, porém, aumenta a relação graduando/professor para 18 por 1. Quando a média nacional é de 13,19 estudantes de graduação pra cada 1 docente e mesmo assim as universidades já têm problemas com falta de professores.

No seu final em 2012, o programa prevê atingir uma média de conclusão dos cursos de graduação de 90% do número de estudantes que ingressam, quando hoje essa taxa é de 62,52% e a relação graduando/professor ainda é de 13,19/1. Imagino que o governo Lula levou muito a série o outro objetivo do REUNI: “melhor aproveitamento da estrutura física e dos recursos humanos existentes nas universidades federais”.

Sou levado a concluir que as universidades serão transformadas em espécies de linhas de produção, melhor dizendo: linhas de reprodução do conhecimento. Vislumbro salas de aula lotadas, sempre com um professor dando uma aula expositiva, pois essa é quase a única metodologia possível em turmas grandes. Estudantes desejando participar de projetos de pesquisa ou extensão. Mas os professores estarão envolvidos em projetos demais, darão aula em muitas turmas... Os concluintes terão dificuldades para conseguirem orientador para suas monografias, pois os professores já terão orientandos demais. E se conseguirem orientador, não será fácil conseguir orientação, pois os professores estarão abarrotados de compromissos.

O tripé universitário: ensino, pesquisa e extensão, que nunca conseguiu sair completamente do papel para a realidade concreta, será seriamente comprometido. A qualidade do ensino superior público, definitivamente não vai melhorar com o REUNI.

Quanto ao acesso e permanência tão citadas no projeto, o REUNI estranhamente não fixa metas, por exemplo. Deixa a cargo de cada IFES decidir quanto das verbas recebidas pelo programa investirá em assistência estudantil. Esperemos e exijamos, portanto, “boa vontade” aos Reitores. Os objetivos do REUNI são, de fato, dois.

O primeiro é a expansão de vagas dos cursos de graduação, independentemente de como seja essa expansão ou quem se beneficiará dela – branco, índio ou preto, rico ou pobre, bonito ou feio. O REUNI não almeja transformar a universidade num espaço com a representação minimamente proporcional dos diversos segmentos sociais brasileiros. A elite rica e branca continuara dando as cartas.

O segundo objetivo é a eficiência do sistema federal de educação superior. Porém, eficiência no sentido de produtividade numérica. É nesse segundo objetivo, por incrível que pareça, que a assistência estudantil terá um papel a cumprir no programa REUNI: combater a evasão, a reprovação e a retenção, minimizando o desperdício de recursos públicos. Quando, na verdade, a assistência estudantil deveria promover a democratização do ensino superior, de forma que as classes populares utilizem, sim, a universidade e o poder do conhecimento que se produz nela para a superação das injustiças sociais gritantes da sociedade brasileira.

Claro que a superação da realidade brasileira não será levada a cabo pelas universidades, mas estas têm um papel fundamental de contribuição nesse processo. Essa contribuição só será dada quando o ensino superior tornar-se definitivamente popular.


O MCE após a década de 90
Em 1999 no XXIV ENCE, em Aracaju, a SENCE reformulou seu estatuto extinguindo o sistema de representação por delegados. Todos os moradores de residências estudantis inscritos nos ENCE’s passaram a ter o direito de voto nas plenárias. Estabeleceu-se orientação para que todos os Estados a criarem Secretarias Estaduais de Casas de Estudantes. Talvez tenha sido nesse período que surgiram a SECERGS (Secretaria de Casas de Estudantes do Rio Grande do Sul), a SECE-GO (Secretaria Estadual de Casas de Estudantes de Goiás) e a ACEB (Associação de Casas de Estudantes da Bahia).

Depois dessa reforma estatutária, o MCE, buscou realizar o registro da SENCE enquanto pessoa jurídica. Porém, essa tarefa sempre esbarrava na burocracia dos cartórios que sempre encontrava um erro de redação na ata de fundação da Secretaria ou alguma irregularidade jurídica no seu Estatuto. Todo ano, no ENCE, se remendava o estatuto adequando-o às últimas recomendações dos cartórios e se refazia a ata de fundação com todo cuidado. Residentes de vários Estados (Goiás, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Maranhão) tentaram fazer o registro, mas não obtiveram sucesso.

Nesse ínterim, o MCE sofreu alguns conflitos internos que o levou a uma nova reforma do estatuto em Goiânia, no XXX ENCE em 2006. O novo estatuto buscou valorizar a autonomia das regionais, porém não contribui para a promoção da integração delas em nível nacional. Deu-se nova tentativa de registro frustrada e finalmente, na plenária final do XXXII ENCE em Recife, ano passado, o MCE desistiu de registrar a SENCE. Optando por atuar apenas como movimento social organizado, sem personalidade jurídica.

Foi ainda nos anos 90 que o MCE começou a organizar Reuniões de Trabalho da SENCE, com a participação dos seus Coordenadores e representantes das moradias. O objetivo era de encaminhar as deliberações dos ENCE’s passados e planejar os futuros. Essas reuniões, que deveriam ser anuais, nem sempre ocorriam, devido dificuldade de transporte dos estudantes. Então dificilmente todos os Coordenadores ou representantes de casas participavam. De qualquer forma eram mais espaços de construção do movimento nacionalmente.

Em 2001, a criação da “sencebrasil”, a lista de discussão da SENCE na internet, teve um importante papel integrador das moradias. Essa nova ferramenta ajudou a comunicação nacional do movimento. Porém, a dispersão continuou ainda uma de suas características marcantes. O MCE continuou sem conseguir articular e mobilizar ações nacionalizadas. Por exemplo, o Dia Nacional de Luta pela Moradia Estudantil, 09 de novembro, em poucas ocasiões e lugares se concretizou para além de uma antiga deliberação de plenária final de ENCE.

As ações do MCE sempre tiveram um caráter bastante local, atos públicos ou, no máximo, ocupações de reitorias. Geralmente com pautas específicas, ligadas a assistência estudantil. O movimento nunca conseguiu realizar uma ação com visibilidade nacional o que deixa a luta pela rubrica específica ou pelo PNA um tanto enfraquecidas.

No entanto, quando as lutas locais são concomitantes a visibilidade torna-se maior. Foi o que houve com as ocupações de reitorias contra o REUNI, ano passado. Delas muitos militantes do MCE participaram, inclusive como lideranças. Foram iniciativas locais, porém a simultaneidade das ações deu mais força as ocupações.

O principal papel que os ENCE’s e ERECE’s têm é o de formação política. Esse é um aspecto essencial não só no MCE, mas no ME em geral, pois se trata de um movimento onde a renovação dos quadros é muito intensa. Tem sido essa formação, inclusive, que embasa e encoraja os novos residentes a continuarem lutando por políticas de acesso e permanência. Nos encontros se aprende que assistência estudantil não é esmola e nem favor, mas um direito. Conforme consta na Constituição: o ensino dever ser oferecido com “igualdade de condições para o acesso e permanência” (artigo 206).

Porém, os ENCE’s têm o papel de mobilizar para ações mais amplas, além de formação política e ponto. O atual momento histórico aponta para uma necessidade de organização em nível nacional de pelo menos algumas ações. A dispersão e a falta de estrutura do MCE não permitem fazer-se muita coisa. Mas o bonde da história está passando, mudanças estão ocorrendo no ensino superior brasileiro e se não nos posicionarmos elas podem levar a um péssimo lugar. Não podemos ficar parados!

O MCE, ao contrário de muitos setores e entidades do ME, conseguiu até hoje manter-se a margem dos aparelhamentos partidários. Pode ser considerado um movimento vitorioso pela resistência e sobrevivência. Caso não estivéssemos sempre nos mobilizando e gritando quando a casa caia aos pedaços ou o preço da refeição do RU aumentava, etc. a assistência estudantil já tinha acabado há muito tempo. Porém, devemos aproveitar o momento para garantir uma política séria de acesso e permanência, sem assistencialismos. Medidas paliativas que apenas maquilam os problemas e rendem alguns votos não podem ser aceitas. A democratização da educação superior exige uma política nacional de assistência estudantil ampla, com financiamento seguro, permanente e compatível com a demanda.

Teodoro Neto
Abril de 2008, Recife – PE.


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